sábado, 3 de setembro de 2011

Joana Jacinto

Ordinal

I

Espera um segundo,
Se eu te disser
‘Espera um segundo’
Confiarão os teus dias naquilo que os olhos ouvem?
Espera um segundo.
Abre mão
das palmas dos olhos,
das palmas das mãos,
das palmas dos braços,
da palma do regaço,
das palmas dos pés
Nelas: todos os corações.

II

Espera um segundo,
Divide cada momento em seis.
Contempla o arco
o sol
Deixa cada momento morrer
na palma da tua mão.
As mulheres amam sempre.
Espera um segundo,
Estende a língua ao silêncio.
Sabe-o. Sobe
sobre o degrau último do tempo
Ouve-a, que paira.
As mulheres têm vários corações.
Espera um segundo,
Extrai os dias
da rocha
o tempo
Coloca-os sobre uma placa de madeira.
Destila o sal
do conta-momentos
momento-a-momento
a-tempadamente
fende:
Sagra dos dias a forma intacta.
As mulheres amam sempre.
Guarda o tempo,
momento-a-momento
recolhe-os para o verão.

III

Espera um segundo,
Des-conhece.
Des-arruma, des-compara, des-ordena
o cheio
chão das coisas.
Des-sê.
As mulheres têm vários corações.
Um no círculo dos olhos
chama-se relâmpago,
espelho.
Um no círculo das mãos
chama-se pele,
esquisso.
Um no círculo dos braços
chama-se tear,
edifício.
Um no círculo do regaço
chama-se pomo,
pérola.
Um no círculo dos pés
chama-se casa,
eternidade.
Espera um segundo,
Como se tivesses seis anos

e um sorriso de gengivas
o aguardasse debaixo da almofada pela manhã.


Joana Jacinto: "Cràse" número 1. 2010.

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