Sou-me fatal. Visto Hedda, visto Hamlet
Vingo-me de ser quem sou todos os dias
E acabo sempre nua.
É isto o absoluto? Um viés oco de risos e palmas.
Um mísero momento pavloviano que morre a salivar tédio.
E saem todos em filinha, vestem sobretudos, trocam uns gostaste e uns encolheres de ombros,
Acendem um cigarro e levam dali dores de mãos.
do outro lado
dispo Hedda, dispo Hamlet
e aturo-me sem remédio e sem luzes.
Fatalmente.
Enquanto procurava no Google Maps o sentido da vida
improvisava:
“Não sei se algum dia alguém me viu
Costumo sorrir, cumprimentar e bater-me.
Bato-me muito.
E os anos passam, as brancas trepam pelas rugas
a sensação de sentido desorienta-se.
Sou invisível, uma extraviada.
Nenhum imperador me fez vénia ou musa
nunca inspirei uma canção.
Não sei ser.
Sei bater-me. E dói.”
Not found.
Escacou o computador na cabeça e foi dormir.
A mulher saiu a escorrer, nua e gigante,
da banheira de Botero e só parou
no sinal vermelho para peões.
- Olha a gorda!
- Monte de banha nojento!
A chacota abriu a porta ao estado de choque.
A gordura queria derreter de nervos e vergonha
Mas as lágrimas inchavam-lhe as bochechas.
Uns dias mais tarde, afogou a mulher longe dali o seu peso.
Quando interrogado pela polícia acerca do caso
Botero, serenamente, proclamou: “Não, eu não pinto pessoas gordas”.
Está uma cabeça a tentar partir o vidro da minha janela.
Tem um bico incomum.
Do lado de dentro tremo. Tento que me leia os lábios e peço-lhe que vá,
mas a resposta é gesto insensível do inferno – riso.
Já passou uma hora. O vidro está cada vez mais fino.
Talvez dentro de minutos eu morra
de bico fundente e riso agarrado aos dentes.
Ouço o estilhaço. Grito tolhida e sem timbre. Os meus pêlos paralisam de pé.
Se a cabeça souber ler vai perceber que estou com medo e partirei.
Cecília Ferreira
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