segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Daniel Jonas



MODORRA

Despe-te.

Já nada resta em mim que possas ocupar.
O fumo envolve-te na sua imprecisão.
Como, aliás, todas as coisas.
Tens-me a mim de pescoço decepado.

Leva-me.

não peso mais que a vida.
Respiro cidades de pólvora atrás do teu ouvido.
Sou o teu servo fiel. Chamo-te amo.

Das carúnculas vão-me servir aves, sangue.
Feneço. Sou um espírito perfeitamente incompatível
comigo mesmo. Serei coxo se fores coxo.
Serei implacavelmente belo se o fores também.

Durmo de joelhos. Deus às vezes esquece-se
da sua condição (É da idade). Planeio um
programa de dissolução sem retorno possível.
Sou um barco e gosto.

Das arquibancadas de mim mesmo
aplaude-se a minha capacidade de acreditar.
Sou um produto da revolução industrial, isso é
indiscutível. Caminho para um fim tóxico, alarmante.

Gostaria de filmar o teu pouco à-vontade.
A ti que perdeste o estilo.
Gostaria de filmar a tua queda
com calças de licra ou com óculos de sol.
Gostaria de te olhar nos olhos e dizer:
Estou espantado com a tua condição humana,
Joana ou Gonçalo.

Silencia-me .

As minhas ideias não são minhas. Na verdade,
quem terá ideias próprias? Uma ideia
é apenas um constrangimento, nada mais.
Enterra o teu machado de guerra nas minhas
costas e fuma depois o teu cachimbo da paz.

Será que tudo o que digo é poesia?
Quais serão os limites para a minha arte?
Dizer qualidade de vida será impossível
face a essência do éter?



                                                     Serei um marginal?

Tenho como maior ambição ser um poeta menor.
Conhecido por este ou aquele dito jocoso, pouco mais.
Quero levar versos às tuas presilhas e passar
notavelmente despercebido.
Quero beber cerveja pela tua boca. É tudo meu amor.


Daniel Jonas - O corpo está com o rei.


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