domingo, 22 de janeiro de 2012

Manuel de Freitas

HOTEL PRAIA, QUARTO 508

                                            Para a Inês

I.

São ruas que vão até ao mar, abruptamente
- ou é o mar que, desde sempre, nelas
encontrou morada? Indiferentes a esta pergunta
ociosa, as mulheres falam de casas, discutem
preços e amarguras, alugam barracas por um dia.

E vestem-se de luto ou de cores tão improváveis
como Deus, enquanto distribuem bênçãos,
pequenos rancores, rios de ouro sobre o peito.
Será talvez um modo atávico de exorcizarem a fome
nas casas que não têm mas alugam, sentadas junto ao mar.

Não sorriem nunca, por excesso ou falta de razões.

II.

Não esperava, trinta anos depois, reconhecer
a Nazaré, igual a si mesma, fintou o progresso
no desmando da morte e no cheiro seco
dos carapaus jacentes (só um gato preto, sem
jeito para o negócio, foi poupado ao extermínio).

Diferente é apenas vê-la agora desta varanda,
contigo ao lado, e perceber a alegria que
irmana telhados e balcões, sob os farrapos
de uma língua apátrida que nem o amor
nem o mar conseguiriam devidamente pardonner.

Um homem de fato completo deixou-nos ver a lua.

III.

há quem veja na sereia, que um dia se cansou,
razão suficiente para tantas mortes.
E há quem desça sem temor as escadas que vão
do forte ao rochedo do Guilhim. Nós, menos
confiantes, olhávamos as grutas, escolhíamos as pedras.

Conchas com água dentro, recentes pedacinhos de ossos.

IV:

E era como se caminhássemos sobre a lua
e o vento de Agosto nos juntasse lado
a lado, quando já não há degraus.


Manuel de Freitas, Revista Brilho no Escuro nº 3.


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