segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Renée Brock


Nova Iorque

Com as tuas paralelas e perpendiculares,
Nova Iorque, em avenidas e numeradas ruas,
e a quinta artéria
que fere na extremidade a Broadway
como se fosse uma bela boca assassina.

Amei-te e odeie-te, ilha de Manhattan.

Ilha! Pode-se ter a consoante de Ilha
e ser o que tu és, Nova Iorque?
Os teus invasores seduziram os índios
para erguer os seus monstros;
e o grande silêncio dos mortos
cobre os subsolos para atrair os vivos.

Ao meio-dia, a Quinta Avenida é um rebanho de milhares
de
cabeças,
compacto e morno. Vazia. Deserta.

As pessoas regem-se pela hora e pelo almoço.
           A electricidade morta fará de ti
em poucas horas um asilo de alienados,
uma morgue, um excremento.

Resta-te o luxo possível dos homens do lixo, 
os teus caixotes acumulam-se, entranhas abertas,
espalhadas em caos nas vitrinas, no meio dos passeios.

E portanto, um perfume fabuloso toma de assalto a
atmosfera de vidro e aço.
Despojas-te de todas as raízes. Sim, tens o teu
Central Park onde, deambulam os sem-abrigo e algumas
faias magras perdidas dos Hilton; alguns ramos de arbustos,
algumas plantas de cinerários. Mas NOVA
IORQUE,tu és eternamente a viúva do vegetal.

A rua Quarenta e dois é a rua do sexo.
Cinema porno. Undergrounds. Montras de horrores.
Erotismo a toda a hora.
Outrora, ainda menina, em Santa Margarida, subúrbio
do carvão, lia-se nas vitrinas: «Água quente e a toda a hora».

     Do cimo da torre mais altas dita Empire,
avistei-te, e tu pareceste-me nua, Cidade.
Os teus membros erguidos minúsculos
emergem de um Lago de sombra onde fervilham os peões,
carros, motos.
     Na verdade, Cidade, tu és tão pequena,
face ao universo.

Durante os dias, os meus passos, incessantes, impregnam
as tuas calçadas.
Vou engrossando o teu rebanho sombrio
Mas nos teus museus refresco-me nos azuis
indizíveis dos teus Vermeer.
Via Pop-Art e a sua vulgar vitalidade, as suas cores que uivam.

Nova Iorque, a noite, o dia, os passos inumeráveis de homens
que inscreveram com estrelas o teu macadame.

Mas o passo de um homem não vale uma estrela:
Sob os edifícios altos pende uma sombra pesada.

Então, à noite, caminho sob o céu aberto, e no
embrulho compacto das estrelas, busco a estrela MILLER,
esse gigante Lírico.

                                                   Renée Brock (1912-1980) tradução de Sílvia C. Silva
                                                   in Revista Piolho nº 7.





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