domingo, 22 de janeiro de 2012

Maria Velho da Costa

Rambo, porque ela falou e riu e estão na orla de um lugar com gente, acaso calor e comida, abana a cauda. Trota há muitas horas, ligado a ela pela mão da trela e por isso não tem frio nem cansaço. Myra tem. Cansaço, fome e frio, apesar da parka branca comprida com capuz, que foi prenda do tempo das delícias. O frio é fome de uma coisa quente, diz ao cão. O corpo existe de dentro para fora, e a alma, circunvalações e convulsões, da cabeça e das tripas. As tripas na alma, é o que faz o crime e castigo. À senhora Macbeth foi isso que aconteceu. Subiram-lhe as vísceras às mãos, numa sangueira que ninguém via.
Falas demais disse-lhe Rambo a tentar rodopiar os grossos quadris...
 Na parede da entrada da taberna, um quadro a giz, Oje à pipis. Nos pratos dos homens, pedacinhos de ossos, moelas, torresmos de toucinho, palitos roídos da comoção tribal. Nas mesas, cervejas, copos de tinto vazios. Nas paredes cartazes tauromáquicos carcomidos, andorinhas e pratos de barro, resmas de alho e cebola, chouriços e farinheiras pendidas, de plástico.
Déja vu, pensou Myra para o cão, quantos já vistos.
E o cão, abanando a cauda sempre, disse,
Deixa, são humanos, que outro bem há? E comem carne.


Maria Velho da Costa, Myra, Assírio & Alvim.





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